CIDADES REBELDES
“além do mais, vivemos, na maioria, em cidades divididas, fragmentadas e tendentes ao conflito.”
HARVEY, 2013.
As manifestações de junho de 2013 trouxeram luz a uma série de questões latentes tanto no âmbito político como urbano-social. A principal arma dos manifestantes foi a ocupação das ruas para se fazerem ouvir. A ocupação das ruas tem porém um significado ainda maior pois, como diz ROLNIK:
“Para a linguagem da polícia – e da ordem – a ocupação das ruas é baderna ; porém, amparados pela Constituição, como nos lembra Jorge Luiz Souto Maior, para vários movimentos sociais ali presentes, a retomada do espaço urbano aparece como o objetivo e método, que determina diretamente os fluxos e os usos da cidade. Nas palavras do MPL-SP:
‘A cidade é usada como arma para sua própria retomada: sabendo que o bloqueio de um mero cruzamento compromete toda a circulação, a população lança contra si mesma o sistema de transporte caótico das metrópoles, que prioriza o transporte individual e as deixa à beira de colapso. Nesse processo, as pessoas assumem coletivamente as rédeas da organização de seu próprio cotidiano.’
Outros temas – e outras agendas, igualmente presentes nas ruas – podem ser lidos e interpretados a partir dessa fala do MPL: a participação, através de sua expressão mais radical, a autogestão, e as novas maneiras e métodos de fazer política tomaram as ruas como forma de expressar revolta, indignação e prosteto. Isso não é novo na política. Mas hoje o tema da ocupação – no sentido do controle do espaço, mesmo que por um certo período, e, a partir daí, a ação direta na gestão de seus fluxos – tem forte ressonância no sentimento, que parece generalizado, do alheamento em relação aos processos decisórios na política e da falta de expressão pública de parte significativa da população. Ocupando as ruas, reorganizando os espaços e reapropriando suas formas, seguindo a linha teórica avançada por David Harvey em seu artigo, aqueles que são alijados do poder de decisão sobre seu destino tomam esse destino como seu próprio corpo, por meio da ação direta.”
ROLNIK, 2013.
O que ocorreu durante as manifestações de junho de 2013 foi uma desconstruição de paradigmas: a rua feita para os carros, a ordem como cerne da vida cosmopolita. O que ocorre é a retomada da cidade pelas pessoas, para as pessoas e em favor delas. Os espaços vazios, que, como as ruas, antes não eram sequer notados, passam a ser protagonistas de uma ação de retomada do poder pelo povo. Dentro da noção de ocupação dos espaços, até então controlados e submetidos ao Estado, estão os gramados que deixam de ter um papel de coajuvante e tomam o centro da questão. Os gramados da avenida Antônio Carlos, servem de exemplo para essa questão. Deixaram de ser o espaço de ninguém para ser o espaço da ocupação e mobilização.
Essas ocupações trouxeram uma noção de empoderamento da população, que tomou conta de espaços que antes não lhe era permitido. A rua passa a ser o local do povo, das manifestações.
“Forjou-se, no calor das barricadas, uma experiência de apoderamento que não se resume à ocupação física das cidades, mas estende-se à maneira como se organizam os transportes do país. É essa tomada de poder que assusta os gestores estatais e privados, que tentam agora reocupar o espaço que perdem para os trabalhadores urbanos.”
MPL-SP, 2013.
A manifestação se dá no local de representação do poder estatal. As grandes obras de infraestrutura que rasgam e descaracterizam os epaços urbanos se tornam a maior arma das manifestações.
“A prioridade ao transporte individual é complementada pelas obras de infraestrutura dedicadas à circulação de automóveis. Verdadeiros assaltos aos cofres públicos, os investimentos em obras de viadutos, pontes e túneis, além de ampliação de avenidas, não guardam qualquer ligação com a racionalidade da mobilidade urbana, mas com a expansão do mercado imobiliário, além, obviamente, do financiamento de campanhas.”
MARICATO, 2013.
As manifestações representam a retomada do poder pelo povo, a demostração de sua força, a indignação pelas ações tomadas por aqueles que não lhes representam mais. E são também, sua forma de lutar por aquilo que consideram prioridade.
“Se for assim, como Marx tão celebremente escreveu, entre direitos iguais quem decide é a força. Então é a isso que o direito à cidade se resume? Mendigar de meu vizinho ou ser alvo da mendicância dele?
Então, o que eu e os outros devemos fazer se determinarmos que a cidade não se conforma aos nossos desejos? Se determinarmos, por exemplo, que não estamos nos refazendo de maneira sustentável, emacipatória ou mesmo “civilizada”? Como, em resumo, poderia o direito à cidade ser exercitado pela mudança da vida urbana? A resposta de Lefebvre é simples em essência: por meio da mobilização social e da luta política/social.[...]
O direito inalienável à cidade repousa sobre a capacidade de forçar a abertura de modo que o caldeirão da vida urbana possa se tornar o lugar catalítico de onde novas e menos danosas concepções de direitos possam ser construídas. O direito à cidade não é um presente. Ele tem de ser tomado pelo movimento político.”
HARVEY, 2013.
A isso correspondem as manifestações daquele ano, na essência do regime democrático, o poder do povo, a luta por direitos sociais e ainda luta pela própria cidade e seu direito de ocupá-la.
“Em mobilizaçõe pacíficas, importa ocupar o espaço público, difundir as idéias, ampliar o debate, unir as pessoas, participar...”
VIANA, 2013.
“a cidade não é só o palco das lutas, mas é também aquilo pelo que se luta.”
BRIITO e OLIVEIRA, 2013.