AS ÁREAS VERDES E A CIDADE
No dia 19 de março de 2015, o site do jornal Hoje em Dia publicou a notícia do novo Plano Diretor do Parque Américo Renné Gianetti ou, como é mais conhecido, Parque Municipal. Nesse Plano, elaborado por um escritório espanhol, pretende-se resgatar parte da área verde do projeto original do Parque, feito pelo paisagista Paul Villon. O estudo apresenta recomendações, normas e sugestões para a recuperação do verde que deu espaço ao concreto ao longo dos anos. Medidas como, adoção de telhados verdes e estacionamento que receberiam vegetaçao, são algumas das ações apresentadas.
O Plano apresentado busca retomar um aspecto importante de Belo Horizonte, conhecida por muito tempo como cidade jardim, e que vem perdendo ao longo dos últimos anos essa característica devido ao expressivo crescimento imobiliário em detrimento das áreas verdes. A conjunção desse fatores, inclusive contribui para a piora das condições ambientais da Capital. Com isso então, medidas como a do Plano Diretor do Parque Municipal são necessárias e deveriam ser frequentes.
No entanto, não se pode dizer que novas áreas verdes não continuem sendo criadas na cidade. Ainda que nem sempre represente espaços verdes de qualidade, a grama tem presença garantida em quase todos os locais. A exemplo da Capital Federal que, segundo CANÇADO, estima “em 50 milhões de metros quadrados, a área gramada de Brasília é superior a 120 metros quadrados por habitante, enquanto padrões internacionais estabelecem como “ótimo”, 25 metros quadrados por habitante. Mas o que os dados não dizem é que muitos desses gramados são áreas residuais “acarpetadas de verde” de forma a encobrir o solo exposto pela violência da técnica rodoviária tornada urbanismo”.
Assim como em Brasília, os gramados de Belo Horizonte são, em grande parte, medida paleativa adotadas nas áreas modificadas por algum empreendimento novo. Inspirados em um modelo de paisagismo inglês, os extensos gramados são muito utilizados no Brasil e têm em Brasília, talvez, seu maior exemplo. Sem considerarmos a questão de adapatação de um modelo de paisagismo europeu, ao clima tropical, a adoção dessa estratégia é questinável no mínimo pelo ponto de vista do espaço a ser construído. Os grandes gramados criam espaços sem diversidade, monótonos e, estes por sua vez, repelem o uso e apropriação espontânea, na maior parte das vezes. Ou seja, criam cidades mais pobre, sem diversidade de e sem popssibilidades de convívio social.
“As cidades são o principal local onde se dá a reprodução da força de trabalho. Nem toda melhoria das condições de vida é acessível com melhores salários ou com melhores distribuições de renda. Boas condições de vida dependem, frequentemente, de políticas públicas urbanas – tranportes, moradia, saneamento, educação. Ou seja, a cidade não fornece apenas o lugar, o suporte ou o chão para essa reprodução social. Suas características e até mesmo a forma como se realizam fazem a diferença.” MARICATO, 2013.
Assim como diz MARICATO na citação, os epaços públicos são a maneira mais democrática de se permitir acesso a lazer a todo e qualquer cidadão. Ao criar espaços públicos precários, limitasse também a possibilidade de interação e inclusão social. A cidade não é apenas o local da reprodução da força de trabalho e, como tal, deve permitir que todos os seus cidadãos tenham acesso a espaços públicos que lhe permitam o mínimo de lazer e qualidade de vida.
De acordo com Jan Gehl:
“De forma muito simplificada, atividades ao ar livre em espaços públicos podem ser divididas em três categorias, que impõem ao ambiente físico exigências diferentes: atividades necessárias, atividades opcionais e atividades sociais.
As atividades necessárias abrangem aquelas que são mais ou menos obrigatórias – ir à escola ou ao trabalho, fazer compras, esperar por um ônibus ou uma pessoa, resolver tarefas, entregar a correspondência –, em outras palavras, todas as atividades em que os envolvidos são, em maior ou menor grau, obrigados a participar.
Em geral, as tarefas diárias e passatempos pertencem a esse grupo. Entre outras atividades, ele inclui a grande maioria das que estão relacionadas ao caminhar.
Como as atividades desse grupo são necessárias, sua incidência é apenas ligeiramente influenciada por estruturas físicas. Essas atividades são realizadas ao longo do ano todo, sob quase quaisquer condições, e são mais ou menos independentes do ambiente exterior. Os participantes não têm escolha.
As atividades opcionais – as atividades das quais se participa somente se houver o desejo de fazê-lo e se o tempo e o lugar as tornam possíveis – são outra questão.
Essa categoria inclui atividades como fazer uma caminhada para respirar um pouco de ar fresco, ficar por aí aproveitando a vida, sentar-se para tomar um banho de sol.
Essas atividades só acontecem quando as condições exteriores são ideais, quando o tempo e o lugar permitem. Isso é particularmente importante no que diz respeito ao planejamento do espaço físico, já que a maioria das atividades recreativas particularmente agradáveis ao ar livre encontra-se precisamente nessa categoria de atividades. Essas atividades são especialmente dependentes de condições físicas exteriores.
Quando as áreas ao ar livre são de má qualidade, apenas as atividades estritamente necessárias ocorrem.
Quando as áreas ao ar livre são de boa qualidade, as atividades necessárias continuam ocorrendo com mais ou menos a mesma frequência – apesar de claramente se prolongarem por mais tempo em condições físicas melhores. Além disso, no entanto, uma ampla gama de atividades opcionais também vai ocorrer se o lugar e a situação agora forem convidativos para que as pessoas parem, se sentem, comam, brinquem e assim por diante. Em ruas e espaços da cidade de má qualidade, apenas o mínimo de atividades ocorre. As pessoas correm para casa.
Num bom ambiente, um amplo espectro de atividades humanas é possível.
As atividades sociais são todas as atividades que dependem da presença de outras pessoas em espaços públicos. As atividades sociais incluem brincadeiras de crianças, encontros e conversas, atividades coletivas de vários tipos e, finalmente – a atividade social mais difundida –, o contato passivo, isto é, simplesmente ver e ouvir outras pessoas.
Diferentes tipos de atividades sociais ocorrem em muitos lugares: em moradias; em espaços privados ao ar livre, jardins e varandas; em edifícios públicos; em locais de trabalho e assim por diante. Neste contexto, no entanto, apenas as atividades que ocorrem em espaços de acesso público serão examinadas.
Essas atividades também poderiam ser chamadas de atividades “resultantes”, pois em quase todos os casos elas evoluem de atividades ligadas às outras duas categorias. Elas se desenvolvem em conexão com outras atividades, simplesmente porque as pessoas estão num mesmo espaço, se encontram, passam umas pelas outras ou estão à vista.
As atividades sociais ocorrem espontaneamente, como uma consequência direta da presença de pessoas nos mesmos espaços. Isso implica que as atividades sociais são indiretamente impulsionadas sempre que às atividades necessárias e opcionais são dadas melhores condições nos espaços públicos.
O carácter das atividades sociais varia, dependendo do contexto em que elas ocorrem. Nas ruas residenciais, perto de escolas ou de locais de trabalho – onde há um número considerável de pessoas com interesses ou origens comuns -, as atividades sociais que ocorrem nos espaços públicos podem ser bastante abrangentes: cumprimentos, conversas, discussões e brincadeiras surgem porque as pessoas compartilham interesses e porque as pessoas “conhecem” umas às outras, talvez pela simples razão de se verem com frequência.
Nos centros urbanos, atividades sociais costumam ser mais superficiais. A maioria dos contatos é passiva – ver e ouvir pessoas desconhecidas. Mas mesmo essa atividade limitada pode ser muito agradável.
Numa interpretação bem livre, uma atividade social ocorre toda vez que duas pessoas estão juntas no mesmo espaço. Ver e ouvir uns aos outros, encontrar-se, é em si uma forma de contato, uma atividade social. Um simples encontro pode ser a semente para outras formas mais abrangentes de atividade social.
Isso é importante no que diz respeito ao planejamento físico. Embora a estrutura física não tenha uma influência direta sobre a qualidade, o conteúdo e a intensidade dos contatos sociais, arquitetos e planejadores podem afetar nossas possibilidades de encontrar, ver e ouvir pessoas – possibilidades que têm suas vantagens em si só e que, além disso, podem tornar-se importantes como pano de fundo e ponto de partida para outras formas de contato.
Segundo a análise de Jan Gehl, grande parte dos gramados que temos produzido na cidade, poderiam receber atividades opcionais e sociais, mas, devido a sua atual configuração, acaba por restringir a população às atividades necessárias, exatamente por criar espaços repelentes ao convívio público. CANÇADO diz:
“Praças, parques, rotatórias, trevos, canteiros, rodovias, baixios de viadutos, jardins, afastamentos frontais, taludes, remendos, sobras: onde não está cimentado há verde-grama e qualquer empreendimento privado ou intervenção pública que se preze no Brasil adota a grama como “estratégia paisagística” predominante. Mas essa onipresença da grama só é aparentemente benigna, já que, por suas próprias características biológicas, a grama inibe o surgimento e o desenvolvimento de outras espécies, impõe à cidade e seus habitantes áreas verdes de alto custo e propicia espaços extremamente refratários ao uso público. Em outras palavras, a grama produz a menor diversidade ambiental e urbana com o máximo esforço.”
A grama, apesar de estar presente no imaginário de muitas pessoas como o espaço do descanso, da brincadeira e do encontro, acabou assumindo um caráter totalmente avesso. Ainda que algumas dessas áreas sejam de fato utilizado para fins de lazer e respiro, a maior parte dos espaços gramados da cidade acaba se tornando o lugar do vazio, da insegurança. Talvez por um uso indiscriminado da grama, pela escolha equivocada do lugar, ou pela falta de integração com o restante da cidade; o fato é que os espaços de grama tem inibido a interação social, e criando vazios na malha urbana.
Cenário das grandes cidades brasileiras, que subtraem a natureza da paisagem urbana e, quando não o fazem, geralmente interpretam os extensos gramados como a estratégia paisagística mais barata e acessível. A qualidade do espaço muitas vezes dá lugar questões de permeabilidade do solo, cobertura e proteção do solo ou a redução de custos, sem considerar como esses espaços de fato impactam nas possibilidades de sociabilização no contexto urbano. Assim como diz BOURNE, a respeito da obra de Jane Jacobs:
“O primeiro grande insight de Jacobs foi perceber que as cidades não são máquinas para se viver, mas organismos vivos.”
“Uma cidade, e portanto uma sociedade, vive e morre de acordo com sua capacidade de construir um ambiente criativo por e para seus cidadãos”.
Kianne Gomes